Paraísos Artificiais: Artificial ao Extremo

Publicado em 04/05/2012 - Por

Atenção: esse artigo contém spoilers de algumas cenas do filme. Se você ainda não assistiu, talvez seja melhor assistir e voltar aqui outro dia. =)

Pessoas se drogando, de várias formas. Longas cenas de sexo. Uma história de amor marcante, se você tem 16 anos. E fim. 

Embora a resenha aí em cima dê conta de cerca de 80% do filme, vou desenvolver um pouco mais, começando pelo contexto.

Antes de mais nada é preciso admitir que Marcos Prado foi corajoso (ou esperto?) ao dirigir um filme envolvendo drogas e música eletrônica. Todos sabemos que o assunto é polêmico, dá audiência, mas que também é muito difícil aborda-lo sem cair nos estereótipos e preconceitos que fazem parte da imaginação popular. Ele tentou. E na minha opinião (e na de muita gente, pelo o que vi), falhou.

Também preciso deixar claro que eu era um dos grandes entusiastas do filme, desde o anúncio de sua produção. Achei o trailer sensacional e fui ao cinema pré-disposto a me emocionar, a curtir, a me envolver com a trama. Eu quis gostar do filme, mas não consegui.

Ao sair da sala, observando os rostos de várias pessoas, encontrei, em comum, expressões de decepção e perplexidade. Aquela sensação de “nossa, mas não é nada disso”…

Afinal era um filme que prometia muito. Uma história de amor, um retrato da vida e da cultura dos jovens nesse início de século XXI, o submundo das drogas, uma mega produção, os nossos tão adorados festivais exibidos na telona, uau!

Mas infelizmente, o que vimos foi o seguinte:

 

Música Eletrônica

Meia-dúzia de barracas para milhares de pessoas. Pois é.

 

Que Paraísos Artificiais não é um documentário sobre a cena eletrônica, todos já sabiam. Isso sempre esteve claro em sua intensa campanha publicitária na internet. A intenção, supostamente, era usar a cena eletrônica como cenário para toda a trama.

Ainda assim, o mundo da música eletrônica está lá, ou melhor, uma caricatura dele, confirmando o medo de muita gente.

Mostradas de uma forma muito estranha, as cenas que se passam em baladas ou festivais simplesmente não convencem. Dos erros de cenografia, como o mixer wireless, passando pela DJ Érica que circula pelo festival carregando meia dúzia de discos de vinil debaixo do braço, até o comportamento dos DJs no palco, nada parece verdadeiro. 

Mas até aqui ok, vamos dar um desconto, afinal, não é um documentário.

 

O Filme

O jovem de classe média vai para Amsterdã atrás de dinheiro fácil proporcionado pelo tráfico, é preso ao desembarcar no Brasil. Antes, ele se apaixona pela DJ que faz sucesso na Europa, mas ela traz consigo grandes traumas do tempo em que usava drogas. Esse é o eixo central da trama.

As cenas se alternam em tempos diferentes da mesma história, fazendo com que o espectador “descubra” constantemente vários detalhes adicionais da trama. Isso é bacana, mas nesse caso parece servir muito mais para disfarçar o vazio do roteiro e a falta de personalidade dos personagens.

Assim como outros aspectos do filme, a história de Nando e Érica é superficial, digna de um episódio de Malhação: o casal se conhece em Amsterdã, saem juntos durante alguns dias e já estão trocando juras de amor. Em seguida, o rapaz revela para sua amada que precisa voltar para o Brasil, pois precisa levar um carregamento de drogas. A mocinha fica chocada e solta a frase clássica “eu não sei mais quem você é”, vira as costas e sai chorando copiosamente.

Os momentos de alegria vividos pelos personagens praticamente são engolidos pelas cenas que envolvem tristeza e desespero. Mesmo o ambiente fantástico de um festival acaba parecendo “pesado” no filme.

Sexo em suas várias modalidades. Vale tudo nas festas de Paraísos Artificiais.

 

Todo o drama vivido pelos personagens se alterna com longas (e desnecessárias) cenas de sexo, que tornam o filme extremamente apelativo, vulgar. Não se trata de ser “moralista” ou qualquer coisa do gênero. Cenas mais quentes podem ser um bom tempero para a trama, mas nesse caso, apenas tornam o filme apto para ser exibido em qualquer canal adulto da TV a cabo.

Paraísos Artificiais mostra uma juventude doente, perdida, fruto de famílias desestruturadas, sem esperança de dias melhores. Jovens de classe média que sofrem e se lamentam o tempo todo pelos erros cometidos no passado. Se você se identificou com o filme, recomendo que procure auxílio psicológico urgentemente. É sério.

Pontos positivos? A fotografia e trilha sonora, realmente são muito boas. Mas apenas isso.

 

As Drogas

Aqui encontramos o verdadeiro foco do filme. É preciso valorizar a forma como o consumo de drogas foi mostrado, sem julgamento de valor, ao menos, não de maneira explícita. Apesar de exageradas em sua quantidade (assim como as cenas de sexo), as cenas envolvendo o consumo de drogas acontecem de maneira natural. Não há a figura do traficante vilão ou do mocinho careta. Não há lição de moral. Ponto para Marcos Prado.

Entretanto, o diretor erra mais uma vez ao tratar o consumo e tráfico de drogas como algo central no mundo da música eletrônica. No filme, tudo gira em torno delas, sempre, as drogas.

Além disso, as cenas das “viagens” são forçadas. Um bom exemplo é a cena da praia, no início do filme, em que Érica fica nua junto de uma manada de búfalos. Beira o ridículo. Obviamente, também não poderiam faltar ao menos uma cena de bad trip e uma de overdose pouco convincentes.

Paraísos Artificiais parece ser muito mais um filme “educativo” sobre o uso de drogas e suas consequências. Se esse era o objetivo, parabéns, muito nobre, mas nesse caso, a cena eletrônica poderia ser deixada de lado. Um clínica de reabilitação como “pano de fundo” seria muito mais apropriado.

 

Mais do Mesmo

A cena eletrônica é tão rica, que poderia render facilmente uma trilogia nos cinemas. Mas precisaria ser produzida do início ao fim por pessoas que vivem neste meio.

Infelizmente, Paraísos Artificiais falha nos pontos em que deveria ser forte. A impressão é que o trabalho de pesquisa foi se perdendo no decorrer da produção do filme, resultando em uma versão extremamente artificial (com o perdão do trocadilho) que não gera identificação com o público de festas, e não será bem assimilado por quem não faz parte desse mundo.

Será mais um daqueles filmes que renderá uma grande matéria no Fantástico no próximo domingo e em seguida cairá no esquecimento. Mais uma vez, a cena eletrônica não foi compreendida. Foi apenas “usada” como uma ferramenta para falar sobre sexo e drogas.

Um desperdício.

 

Um retrato mais realista

Se você está a procura de um filme para mostrar pas os amigos um pouco desse nosso mundo, recomendo esse vídeo, de 10 minutos, produzido de forma amadora (no melhor sentido da palavra).

Até hoje não encontrei nada melhor.

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